Às vésperas da COP 30, Amazônia acende o alerta vermelho

Foto por: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Montezuma Cruz
de Rio Branco (AC)

Reencontrei recentemente o cientista Eufran Ferreira do Amaral, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Acre. De toda a conversa, ele chamou a atenção para um aspecto que vem sendo amplamente debatido, especialmente na fronteira brasileira com a Bolívia e o Peru. Segundo Amaral, 2023 foi o ano mais quente no “registro observacional” em 174 anos. Em 2025 teremos alto índice de queimadas? – eis a grande indagação.

“De 2015 a 2023 tivemos os nove anos mais quentes, e as temperaturas globais mensais foram recorde no oceano: de abril a setembro – e, começando um pouco mais tarde, na terra – de julho a setembro, a média de dez anos de 2014 a 2023 (até outubro) chegou a 1,19 ± 0,12°C acima da média de 1850–1900, os dez anos mais quentes”, assinalou.

Amaral repetia seu objetivo ambiental manifestado tempos atrás, quando auxiliou o governo acreano com propostas fundamentadas no sequestro, conservação, manutenção e aumento do estoque e na diminuição do fluxo de carbono.

Em 2010, Amaral orientava o funcionamento do Sistema Estadual de Incentivos aos Serviços Ambientais (SISA). Em 2024, ele e tantos outros ambientalistas locais ainda sonhavam com a beleza cênica natural nesta parte da Amazônia Ocidental, e a defendiam ardorosamente, inclusive no vizinho Estado de Rondônia, onde a conservação da sociobiodiversidade se fez tão necessária.

“É preciso conservar as águas e os serviços hídricos”, proclamava em ano seco e com excesso de queimadas. Meses antes da fala de Amaral, o senador e ex-governador Confúcio Moura (MDB) lamentava a mortandade de nascentes d’água, estranhando a situação crítica dos níveis de rios e da fauna ictiológica no entorno do Pico do Tracoá, o mais alto do Estado de Rondônia.

No ano passado, a regulação do clima voltava à pauta, cada vez mais impondo a valorização cultural; o conhecimento tradicional ecossistêmico; a conservação e o melhoramento do solo.

Algumas vezes vistos como “anti-desenvolvimentistas”, o cientista e o senador erguiam suas vozes diante dos desafios. Antes de o primeiro chegar aos quadros da Embrapa, quase meio século atrás, Moura via centenas de colonos em grandes derrubadas da floresta do município de Ariquemes, incrivelmente, sob a chancela do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que concedia o lote ao colono desde que desmatasse 50%.

As décadas passaram e, tanto no Acre quanto em Rondônia, onde cresce o desmatamento devido ao plantio de grãos e à expansão da pecuária, a situação é semelhante. Vistas largas de governos e parlamentares deslumbrados com o “agro, pop e tech” intrigam analistas e causam frequentes temores do que pior virá por acontecer.

Na Assembleia Legislativa, a metade dos 24 deputados estaduais é dona de terras. Verificamos que as atas de sessão não possuem nem dez pronunciamentos a respeito da possibilidade de haver equilíbrio entre aumento da produção e alternativas para evitar o desmatamento mais tétrico do que já ocorreu.

Foto por: Fernando Frazão/Agência Brasil

Recentemente, uma CPI concluiu seus trabalhos condenando a criação de 11 Unidades de Conservação, muito mais voltada para o comportamento demagógico do que propriamente com o drama ambiental. Segundo os deputados, famílias moradoras em algumas dessas reservas estariam há anos abandonadas e, se não fosse a intervenção do Legislativo, correriam o risco de serem despejadas, perdendo seus bens.

Diante das inquietudes do cientista e do senador, com a pauta que privilegia pastagens gigantescas para o gado bovino e o vertiginoso aumento da safra de grãos, há muito a fazer. No entanto, o componente do bom senso é fundamental para que se analise lucros e consequências.

Metade dessa Assembleia deveria deixar o orgulho de lado para sentir que “representar o povo” implica também ouvir especialistas. Quis o destino que o próprio senador, perseguido em seus ideais conservacionistas, viesse relatar o Projeto de Lei 2.159/2021, que tramita nas comissões de Meio Ambiente e Agricultura, instituindo a Lei Geral do Licenciamento Ambiental no País. O próprio Moura, criticado por setores do agro, visa simplificar as leis ambientais que, segundo ele, “em cada estado têm regras diferentes”, mas não aceita nova onda de derrubadas de florestas nativas em Rondônia.

No Acre, o cientista Amaral passou o ano de 2024 inteiro fustigado pelas “porteiras abertas à boiada”, sem que os criadores enxergassem alternativas ensinadas há décadas pela Embrapa – caso do Sistema de Integração Floresta-Pecuária. Em Rondônia, o debate ficou limitado a Fóruns Ambientais que pecaram ao disfarçar irresponsabilidades.

Exemplo claro dessa situação são os segmentos da borracha natural (látex) e da castanha, que até hoje estão à deriva das benesses oficiais. Em Rondônia, a Secretaria Estadual de Agricultura sabe que o estado produz nessas áreas, mas não cria câmaras técnicas para oferecer políticas públicas.

Numa década de excessivo calor e de perspectivas iminentes de novas ondas de aquecimento, assoreamento de rios e desmatamento dentro das próprias Unidades de Conservação, governo e parlamentares deveriam inverter aquela pintura dos dois burros puxando cada qual para um lado ao terem à frente dois montes de feno.

Não o fizeram ainda, mas, quem sabe, mesmo com atraso, os Objetivos do Milênio possam movê-los.

Uma união de cabeças pensantes, não apenas pseudas uniões partidárias liberais, medíocres e mentirosas, levaria o Acre e Rondônia a buscar possibilidades para evitar os efeitos e as causas das mudanças climáticas previstas para 2025.

O Comitê de Crise Hídrica montado pelo governo estadual foi insuficiente para controlar os ímpetos apenas “desenvolvimentistas” dos deputados e do próprio governo.

Seria utópico juntar parlamentares aos graduados em Agronomia pelas faculdades acreanas e rondonienses? Também aos biólogos, engenheiros florestais e outros mais dispostos a melhorar o planejamento agrícola, diversificando-o pela fertilidade e pelo manejo de solos tropicais? Ou prevaleceria a cegueira movida a lucros diretos dos grãos e da carne destinados à exportação?

A essa gente se somariam doutores em Solos e Nutrição de Plantas. E, nesse debate justo, legítimo e inadiável, soluções de fato estariam a caminho.

Olhemos para o ranking da extrema pobreza em 2023: o Amapá esteve com 4%; Tocantins, 4,4%; Rondônia, 4,6%; Pará, 5,7%; Amazonas, 6,9%; Roraima, 7,4%; e Acre, 13,2%. O Brasil todo apresentou índice de 4,4%.

Os oito “melhores” nessa classificação: Rio Grande do Sul, com 1,3%; Goiás, 1,3%; Santa Catarina, 1,4%; Distrito Federal, 1,9%; Mato Grosso do Sul, 2,0%; Minas Gerais, São Paulo e Paraná, 2,2% — todos com 2,2%.

Se não trabalhar olho no olho, possibilitando o diálogo de profissionais conscientes, a Amazônia Ocidental Brasileira poderá caminhar rumo a brejos incontroláveis. Ou seriam desertos?

Foto por: Fernando Frazão/Agência Brasil

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